Desigualdade Social e Ideologia

21/10/2013 18:23

Porque a maioria das pessoas é pobre e parece aceitar isso como natural?

No texto presente na apostila 4, página 3 – 5 fica bem claro o conceito do que é “ser pobre”: quando se tem acesso precário ou se vive privado  de bens materiais e culturais que permitam o desenvolvimento integral do ser humano.

Mas, por que parece normal algumas pessoas viverem em conforto, sem problemas materiais, enquanto outras passam, principalmente, dificuldades durante toda a vida? O que haveria de errado com o ser humano? Por que há fartura e fome num mesmo país, e tantas diferenças até entre vizinhos?

Temos duas possibilidades de resposta que merecem reflexão. A primeira pode ser resumida na seguinte argumentação: “ Isso ocorre porque as pessoas não têm estudos”, o que transfere a responsabilidade para quem não estudou. A segunda diz respeito ao trabalho, ao se responsabilizar quem não trabalha. Em ambas as respostas, a responsabilidade é dos próprios pobres. Enfim, em muitos casos, aponta-se a falta de vontade das pessoas de trabalhar ou de estudar, desenhando-se assim, a preconceituosa e quase clássica figura do marginalizado.

A respeito do primeiro argumento, não há dúvida de que a pobreza dos indivíduos pode ser atrelada à falta de estudo, porém não em uma perspectiva individual e, sim social.

A responsabilidade, neste caso, em primeiro lugar é do Estado, e de  toda a sociedade, pois sem uma adequada política educacional, bem estabelecida e duradoura, torna-se mais difícil a participação política, base para a construção da democracia. Por outro lado é necessária uma crítica a respeito do comportamento de todos em relação à educação, o que inclui pais, professores e funcionários da escola, além de o aluno. Responsabilizar apenas o Estado é anular completamente o compromisso de outros agentes da educação; no entanto, restringir, também, a responsabilidade a esses agentes indica a falta de reflexão e de entendimento sobre o papel do Estado na implantação de políticas públicas que favoreçam a todos.

De certa forma, a discussão sobre a educação abrange  aspectos relativos também ao trabalho, já que o acesso ao mercado e os níveis salariais estão diretamente associados ao nível de escolaridade dos indivíduos.

A Ideologia

Vivemos em uma sociedade dividida entre aqueles que vendem sua força de trabalho e os que compram esta força de outrem.

Os proprietários dos meios de produção, como a terra, o comércio, as indústrias, as empresas em geral, e, ainda, os proprietários de bancos e dos grandes veículos de comunicação, não precisam vender a força de trabalho para ninguém, ou seja, não se tornam mercadorias. Os que não são proprietários destes mesmos meios de produção precisam vender a sua força de trabalho, tornando-se mercadoria.

A ideologia que justifica a manutenção dessa diferença entre proprietários e os não proprietários colabora e mantém uma sociedade na qual, em outras palavras, os ricos continuam ricos e os pobres permanecem pobres.

A ideologia é um sistema que produz valores, representações e desejos, muitos dos quais apenas reproduzem relações sociais sem questioná-las, justificando, assim, as condições de desigualdade social. Mas, como é possível enxergarmos as desigualdades e, mesmo assim, elas continuarem a existir? O que podemos fazer? Considere a importância de discutir a questão dos discursos ideológicos, aqueles que acabam por ajudar a manter  tais condições perversas de vida. Muitos desses discursos estão presentes na lei, na religião e na moral.

 

Discursos ideológicos.

Argumentos  da Lei – As pessoas têm o direito à propriedade e o direito de consegui-la a defesa da propriedade e o direito de consegui-la como resultado de seu esforço. A lei garante a defesa da propriedade e não permite que ninguém  a tome. Dessa forma, o sistema legal defende a existência de propriedade por parte de alguns, e não de todos. O rigor e o cumprimento da lei podem sugerir que não se deva questionar ou criticar o fato de alguns serem proprietários e outros não.

Argumentos religiosos – Para algumas religiões, o importante é o espírito, e pouco se dá valor ao corpo. Para outras, o corpo é sagrado por ser a morada do espírito. Independentemente da exaltação do corpo assumida por uma ou outra religião, aqui interessa a reflexão sobre alguns argumentos religiosos que justificam a pobreza. Quando se valoriza a fé como a única ferramenta para conseguir melhores condições de vida, temos uma compreensão de natureza religiosa que precisa ser analisada com cuidado, para não se correr o risco de anular a importância da organização e da participação de movimentos de luta por direitos  como  moradia, saúde, alimentação, educação.

A pobreza pode ser vista, religiosamente, até como virtude, ou o seu contrário, como castigo. Virtude, porque é bom ser pobre, desapegado dos bens terrenos, porque o mais importante é a oportunidade de crescimento e de riqueza espiritual. Castigo, sob outros aspectos, também religiosos, porque as grandes fortunas são vistas como uma dádiva divina, sem o questionamento de que resultam, na maioria das vezes, da exploração de trabalhadores e geram desigualdade social.

Argumentos morais – A resposta moral diz que as pessoas são pobres por  causa da maldade dos ricos e pelo fato de elas não lutarem para conseguir melhores condições de vida, ou seja, ganância de uns, indolência de outros. Por outro lado, afirma-se, os pobres não trabalham o suficiente para enriquecer. Afinal, se  trabalhassem e estudassem, para além do que muitos já fazem, seriam bem-sucedidos.

Em relação ao pobre, a moral ainda ensina que é melhor ser pobre do que ganancioso: “Sou pobre mas sou honesto”. Aqui, além de confundir pobreza com honestidade, o sofrimento da pobreza acaba compensado por uma autoimagem positiva, mas que não garante qualquer acesso aos bens sociais.

Resumindo, o discurso ideológico justifica a preservação de uma sociedade de pobres e ricos, ainda que atualmente possamos identificar muitas camadas ou muitos matizes no interior da  classe dos trabalhadores e no interior da classe daqueles que são donos dos meios de produção e vivem do trabalho alheio. Afirmações como estas: “o trabalho torna-se a saída para a pobreza”; “ a lei tem de defender o que as pessoas conseguiram com muito esforço”; “precisamos fazer doações”, não são falsas, mas não dizem tudo sobre as desigualdades, sobre o que as provoca, sobre quais seriam as possíveis soluções. São meias verdade que constituem a ideologia. Se as elites falassem apenas absurdos, seria fácil perceber suas estratégias. No entanto, a justaposição de meias verdades cria uma possibilidade de crença, de confiança, de justificativa. Por exemplo, quando se afirma que “o trabalho dignifica o homem”, isso não é mentira, mas o trabalho que dignifica o homem também pode degradá-lo e fazê-lo sofrer, por alcançar pequenos resultados ao longo de sua vida e por beneficiar mais outro homem do que a si mesmo.

 

(Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola. Filosofia, !ª Série/Ensino Médio. Caderno do aluno, vol.4)